O empregado notou que havia algum clima de tensão entre nós, e perguntou se queríamos mais alguma coisa ou se podia trazer a conta. Mateus olhou para mim, como que a perguntar-me se queria alguma coisa e eu abanei a cabeça, em negação. Ele olhou para o empregado e disse:
- Eu vou pagar com cartão de crédito.
O empregado foi embora e segundos depois trouxe a conta e o pequeno aparelho para pagar com cartão. Depois de o jantar estar pago, saímos do restaurante e quando chegamos cá fora, eu não aguentava mais esta tensão. Parei e toquei-lhe no ombro, fazendo com que ele parasse e se virasse para mim.
- Mateus, ouve. Eu não sei se o que sentes por mim é igual aquilo que eu sinto por ti, mas não podemos agir assim. Não me sinto confortável. Viemos sair juntos e vamos divertir-nos. Está bem?
Ele sorriu e respondeu:
- Sim, está bem. Se te queres mesmo divertir, vamos ver o filme a um cineteatro que eu conheço.
- Porque é que não podemos ir ao do centro comercial?
- Depois vês. Mas se vamos a esse cineteatro temos de ir de carro. Vamos a minha casa buscá-lo.
Andamos até ao tal bairro social onde ele morava e descemos até a uma garagem onde tinha vários carros. Alguns, bastante bons e caros, outros muito maus e antigos. Ele pegou numa chave que tinha no bolso e carregou no botão e para meu espanto, vi os faróis de um Audi TT acenderem-se. Fiquei de boca aberta. O carro parecia bastante caro. Tentei perceber onde é que o Mateus tinha dinheiro para comprar algo assim. Ele não parecia rico mas também não parecia pobre. Ele pegou na minha mão e puxou-me para o carro. Abriu a porta do lado do passageiro e sorriu-me, indicando para eu entrar. Mal me sentei, ele fechou a porta e entrou no carro para o lado do condutor. Ligou o carro e saímos da garagem. O Mateus conduziu durante alguns minutos enquanto conversávamos.
- O teu carro é muito… bom.
- Obrigado. Tu conduzes?
- Sim, mas não tenho carro. Quando quero sair, peço o carro emprestado ao meu padrasto.
- Porque é que não tens carro próprio?
- Não sei… nunca me ocorreu comprar um para mim.
- Isso é estranho… tu não tens carro e eu tenho logo 3.
- 3?! – Perguntei eu, olhando para ele espantada.
- Sim. Tenho este, um Mercedes Classe C 4Matic e um Alpha Romeo Mito.
- Uau. Esses carros são muito caros, não são?
- São, mas eu consigo comprar esses e muitos mais.
Olhei para a paisagem noturna, prédios altos, pessoas nas ruas, carros nas estradas, etc. Fiquei a pensar naquilo que o Mateus tinha dito. Ele devia ser bastante rico para poder comprar tantos carros e ainda dizer que pode comprar muitos mais. Sem que eu reparasse, o carro já estava estacionado num pequeno parque em frente ao cineteatro.
- Então, que filme é que vamos ver? – Perguntou ele, desligando o carro.
- Não sei.
- Ontem estreou um filme novo… é daqueles românticos…
- E tu queres ver um filme desses? – Perguntei eu, olhando-o de lado.
- Imagino que tu gostes, por isso…
Eu olhei para a frente, a pensar num filme que podíamos ver quando senti que o Mateus olhava para mim. Contudo, não me virei para ele.
- Ou então podemos fazer o nosso próprio filme romântico…
Ele colocou uma mão no meu queixo e virou a minha cara para ele. Inclinou-se e sem que eu pudesse ou quisesse hesitar, ele beijou-me. Mal os nossos lábios se tocaram, eu senti borboletas na barriga e naquele momento, só existia-mos nós no mundo. Nunca tinha sentado nada assim. Quando nos separámos, olhámos para os olhos um do outro e eu senti as minhas bochechas ficarem vermelhas. Ele riu-se disso e eu olhei para baixo, envergonhada. Ele saiu do carro e deu a volta, abrindo-me a porta. Eu saí e ele fechou a porta, fechando o carro logo a seguir. Seguíamos lado a lado em direção ao cineteatro quando ouvimos uma voz grossa e alta chamar ‘Mateus’. De repente, Mateus ficou tenso e virou-se devagar. Eu olhei por cima do meu ombro e vi um rapaz, aparentando tendo mais de 25 anos, olhando para mim e para o Mateus.
- O que é que queres? – Perguntou o Mateus, com alguma tensão na sua voz.
- Já não nos vemos à algum tempo. Como é que tens andado? Vi que arranjaste uma miúda… mais um boneco? – Disse o tal rapaz, com um sorriso nos lábios.
- Cala-te! – Exclamou Mateus com raiva.
Num impulso que durou segundos Mateus tirava uma arma que tinha nas calças e dava um tiro ao rapaz à nossa frente. Eu não contive um grito. Depois de me aperceber daquilo que tinha feito, pus uma mão à frente da boca e uma lágrima escorreu pela minha cara. Naquela altura, não estava ninguém na rua por isso ninguém viu mas o Mateus não se preocupou antes e agora olhava para todos os lados a ver se alguém estava por perto. Eu olhei para ele com um ar muito assustado e ele parecia preocupado comigo.
- Estás bem? Francisca, eu posso explicar!
- Afasta-te de mim! – Gritei eu.
- Ele merecia! Ele é um traficante de droga muito famoso por aqui e já há muito tempo que andava a pedi-las. Nem eu nem nenhum dos rapazes do bairro gosta dele.
- Tu acabaste de matar uma pessoa! Tu és um monstro!
Eu afastei-me dele e encostei-me a uma parede. Mateus pegou no seu telemóvel e ligou para alguém. Eu consegui ouvir algumas partes da conversa.
- Sim, sou eu. Olha, tenho um problema. O Távora apareceu hoje e agora está com os anjinhos… sim, eu matei-o! Ele disse mal dela… De quem é que achas que estou a falar? Mas eu liguei-te para te pedir que te livrasses do corpo. Pede ajuda ao Gonçalo. Vemo-nos amanhã. – E desligou a chamada.
Depois de alguns segundos parado, a olhar para o chão, ele olhou para mim e ficou assim durante alguns segundos. Depois acabou por falar.
- Desculpa. Mas é o mundo onde eu vivo. Desculpa não te ter contado.
- Já devia adivinhar. Vives num bairro social. É de esperar que sejas assim.
- Não nos julgues! Já te avisei!
- Porquê, o que é que me fazes? Matas-me? Como mataste esse aí? – Disse eu, sem pensar muito bem que o estava a contrariar e a lutar contra ele.
- Não. Eu nunca faria isso contigo.
Aos poucos ele aproximava-se de mim e quando já estávamos a centímetros de distância, ele olhou-me nos olhos e disse, baixinho:
- Eu adoro-te e queria que pudesses perceber o meu mundo.
Eu engoli em seco.
- Levas-me a casa? – Perguntei eu.
Ele abanou a cabeça e dirigiu-se ao carro dele, abrindo-o e de seguida abrindo a porta do lado do passageiro, fazendo um gesto com a mão dizendo-me para entrar. Eu entrei e ele fechou a porta, indo para o lugar de condutor. Durante toda a viagem, não falámos e eu mal me mexi. Quando finalmente chegámos a minha casa, eu engoli em seco de novo, sem saber o que dizer.